A trágica excursão de bilionários nas profundezas do Oceano Atlântico levaram ao resgate das memórias do Titanic. O que poucos sabem é que a costa brasileira foi cenário de um naufrágio parecido e na mesma época, no que muitos consideram o maior acidente marítimo do país por causa das circunstâncias e da quantidade de vítimas.
Em 1916, quatro anos após o afundamento do Titanic, o Príncipe das Astúrias naufragou em Ilhabela, no litoral norte de São Paulo, e deixou um número indefinido de mortos. Por isso a embarcação ficou conhecida como “Titanic brasileiro”, apesar da fabricação escocesa e bandeira espanhola.
Construído em 1913, o Príncipe das Astúrias era um navio a vapor com 150 metros de comprimento e mais de 16 mil toneladas. Ele podia alcançar velocidade de 18 nós (33 km/h) e transportar até 1.890 ageiros: 150 na primeira classe, 120 na segunda, 120 na segunda classe econômica e 1.500 na terceira classe.
Operado pela companhia espanhola Pinillos Izquierdo y Cia, era considerado o transatlântico mais luxuoso da Espanha à época. Tinha uma biblioteca para uso exclusivo dos ageiros, em estilo Luís XVI com estantes de mogno e assentos de couro. A cobertura superior servia como espaço de lazer e era protegida do vento por vidraças coloridas. O restaurante era decorado com painéis de carvalho japonês e quadros com molduras de nogueira.
Havia também uma cúpula coberta com vitrais coloridos, salão de música e um salão de entrada com uma grande escadaria de corrimãos trabalhados em madeira e o chão decorado com tapetes persas. Um piano foi construído especialmente para ser tocado a bordo.
O Príncipe das Astúrias naufragou em sua sexta viagem, iniciada em Barcelona em 17 de fevereiro de 1916, com destino a Santos (SP), de onde, após uma parada para desembarque de parte dos ageiros e reabastecimento, seguiria para Montevidéu, no Uruguai e, finalmente, Buenos Aires, na Argentina.
A viagem entre Barcelona e Buenos Aires durava, em média, 17 dias – quando afundou, estava no décimo dia. Ao longo do trajeto, o Príncipe de Astúrias fazia escala em sete portos: Valência, Almería, Málaga, Cádiz, Las Palmas, Santos e Montevidéu.
A bordo do Príncipe das Astúrias estavam, entre ageiros e tripulantes, 578 pessoas. No entanto, historiadores estimam que havia mais de mil imigrantes que viajavam de forma ilegal no porão do navio. Eram pessoas que fugiam dos horrores da primeira Guerra Mundial. Portanto, calcula-se que mais de 1.500 morreram no naufrágio.
Além dos ageiros, o navio carregava fios elétricos, vinho português, metais (estanho, cobre, amianto, zinco) e 12 estátuas de mármore e bronze que tinham como destino o Monumento dos Espanhóis (La Carta Magna y las Cuatro Regiones Argentinas). Acredita-se também que havia 40.000 libras em barras de ouro – o que nunca foi confirmado, mas atiça a cobiça de exploradores que mergulham em busca do suposto tesouro.
Acidente acontece na madrugada de um sábado de carnaval
Na madrugada de 5 de março de 1916, sábado para domingo de carnaval, quando estava no fim um baile de máscaras realizado no salão principal do Príncipe das Astúrias, chovia forte e a visibilidade era baixa. De repente, houve um tranco.
O navio bateu em uma imensa rocha, uma laje submersa da Ponta da Pirabura, o que provocou um rasgo no casco. Eram 4h15. Na cabine de comando, o capitão José Lotina Abrisqueta avistou os rochedos. “É terra?”, perguntou, horrorizado. “É terra!”, confirmou o segundo-piloto Rufino Onzain y Urtiaga. O comandante ainda ordenou aos seus homens: “Toda força a ré! Todo o leme a boreste!”. Era tarde.
A colisão abriu um buraco de 40 metros no casco duplo do navio. A água gelada invadiu a casa das máquinas e provocou pane em duas das cinco caldeiras. Dois minutos depois da colisão, a proa já estava submersa. ageiros e tripulantes foram lançados ao mar. A maioria dormia no momento da colisão. O navio partiu em três e em cerca de cinco minutos ficou submerso.
Para se ter uma ideia de quão rápido o navio Príncipe das Astúrias afundou, o Titanic, depois de colidir contra um iceberg, levou duas horas para submergir, em abril de 1912. No caso do Príncipe das Astúrias, sequer houve tempo para o telegrafista transmitir o S.O.S.. Com o navio quase todo "empinado" e adernando, a tripulação não conseguiu baixar os escaleres, espécie de bote salva-vidas, de proa fina e popa larga, movido a remo. O único usado no naufrágio se desprendeu sozinho. Graças a ele, mais de 60 pessoas se salvaram.
Das 578 pessoas registradas a bordo, 445 morreram, de acordo com dados oficiais da Prefeitura de Ilhabela. Levando-se em conta o número oficial de pessoas a bordo, 143 pessoas sobreviveram.
Os corpos se espalharam pelo litoral norte de São Paulo e, quando encontrados, foram enterrados nas praias da região. Há relatos de que os caiçaras retiraram joias e outros objetos de valor dos cadávares antes. Uma das praias do arquipélago de Ilhabela ou a ser conhecida como a Praia das Caveiras.
Desdeo fim do século ado, o local do naufrágio ou a ser um dos mais disputados pontos de mergulho do País. Os restos do navio estão a 40 metros de profundidade.
Tragédia é documentada em museu, reportagens da época e livros
Essa tragédia é documentada em reportagens da época, livros e no Museu Náutico de Ilhabela. Inaugurado no ano ado, ele conserva várias peças recuperadas do Príncipe de Astúrias, além de uma réplica do navio.
Entre os itens há peças da embarcação espanhola recolhidas de suas ruínas no fundo do mar, como garrafas, pratos, talheres, bandejas, um capacete de mergulho de um escafandro (traje usado por mergulhadores) e até uma boneca alemã de porcelana.
Morador do litoral norte de SP, o mergulhador e pesquisador grego Jeannis Michail Platon, que tem um acervo sobre a tragédia, escreveu o livro “Ilhabela – Príncipe de Astúrias – Um Mistério entre Dois Continentes”, baseado em investigações e no depoimento de Isidor Prenafeta, neto de um tripulante sobrevivente.
Já o jornalista e escritor José Carlos Silvares, publicou o “Príncipe de Astúrias – mistério nas profundezas”, pela Editora Magma Cultural, em janeiro de 2006. A obra é resultado de 25 anos de pesquisas, com informações sobre o vapor espanhol e seus sobreviventes. Ele viajou diversas vezes para a Espanha e a Argentina em busca de arquivos e documentos em bibliotecas e com parentes das vítimas.
Único brasileiro a bordo, o estudante de engenharia José Martins Vianna, de 20 anos, sobreviveu ao desastre. Outra sobrevivente, a espanhola Marina Vidal, contou em entrevista ao jornal “A Noite”, em 21 de março de 1916, os momentos que precederam o desastre. “Um tranco, seguido de um ruído ensurdecedor, abalou o navio. Os vidros se partiram e ataques e gritos lancinantes ecoavam de popa a proa do Príncipe de Astúrias.”
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