Estudadas no ado por Peter Lund, considerado o "pai da paleontologia brasileira", cavernas da fazenda Escrivânia, em Prudente de Morais, na região Central de Minas Gerais, estão sendo ameaçadas pela mineração de calcário. Após uma fiscalização identificar cinco cavidades que não foram listadas nos estudos espeleológicos apresentados durante o licenciamento ambiental, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) embargou parcialmente as atividades da Sandra Mineração. A empresa, por outro lado, reconhece apenas "quatro cavidades que não eram conhecidas à época do licenciamento". 

A suspensão das atividades ocorreu após fiscalização da Fundação Estadual de Meio Ambiente de Minas Gerais (Feam), promovida após a aprovação de um requerimento da Comissão de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). O TEMPO teve o ao documento da fiscalização, que identificou cinco novas cavernas - algumas delas com população de morcegos -, além de diversos sumidouros ativos.

O professor de geografia Eduardo Teixeira destaca o valor científico da região, conhecida como "Maciço de Escrivânia", que é reconhecida por sua relevância espeleológica, arqueológica e paleontológica. "A Fazenda Escrivânia é um verdadeiro laboratório a céu aberto. Oferece uma experiência educacional única, permitindo que estudantes vivenciem a história e a ciência de forma prática. Considerar a região sob a perspectiva científica revela sua relevância paleontológica e arqueológica, especialmente devido aos achados do naturalista dinamarquês Peter Lund, que fez do Brasil o seu campo de estudo principal. Lund explorou mais de 800 cavernas, coletando cerca de 12.000 peças fósseis, das quais 40% foram retiradas da Escrivânia”, afirmou.

Procurada, a mineradora alegou, por nota, que as cavidades não tinham sido identificadas à época dos estudos, argumentando ainda que as cavidades ficam fora da Área Diretamente Afetada (ADA) da mina e que não haverá intervenção na região do maciço. Apesar disso, segundo o documento da fiscalização, uma estrada construída para escoar o calcário extraído na mina a a cerca de 20 metros de parte das cavidades, classificadas como "facilmente identificáveis". 

"O caminhamento da vistoria permitiu a identificação de novas cavidades naturais subterrâneas facilmente identificáveis, mas não registradas nos estudos de prospecção espeleológica. Trata-se de cavernas não cadastradas nos estudos ambientais que embasaram o licenciamento ambiental. Estas cavidades, uma vez
que não importaram em registros anteriores, não foram objeto de estudos de avaliação de impactos, áreas de influência ou relevância protocolados para análise do órgão ambiental", diz o auto de fiscalização. 

Durante a vistoria, técnicos constataram que o ruído de caminhões já era perceptível dentro de cavernas próximas, o que pode se agravar com o avanço das operações. Além disso, o licenciamento vigente da mineradora já previa impactos irreversíveis em 21 cavernas, sendo 17 de alta relevância. Agora, com a descoberta de novas cavidades, o cenário se agrava e indica, segundo a fiscalização, que "esforços prospectivos na área foram insuficientes para identificar todas as cavidades naturais subterrâneas". 

Diante da constatação do risco de impactos às estruturas naturais por funcionários e caminhões da mineradora, a Feam determinou o embargo das atividades da Sandra Mineração em um raio de 250 metros no entorno das cavernas identificadas e, ainda, aplicou uma multa de cerca de R$ 122 mil à empresa. 

Procurada, a Feam confirmou a identificação das cavidades e o embargo às atividades, que seguirá em vigor "até que a situação ambiental seja regularizada". "A Fundação reforça seu compromisso com a fiscalização e a proteção do patrimônio espeleológico, garantindo o cumprimento da legislação ambiental em Minas Gerais", concluiu.

Incômodo aos vizinhos

Em atividade há quase 30 anos, a mina Limeira é hoje alvo de questionamentos por parte de moradores do condomínio Portal do Horizonte, vizinho ao empreendimento minerário, que estão preocupados com a segurança e os impactos ambientais da atividade. 

Segundo o engenheiro Philippe Weyland, que mora no local, entre os principais problemas estão os barulhos, poeira e, ainda, que a vibração das explosões comprometa a estrutura das casas da região. “Nós compramos aqui há três anos. O intuito é ter um lugar tranquilo no meio da natureza. Um ano depois chegou a notícia da mineração e, para nós, foi um choque”, disse.

Imagem mostra outras das cavernas existentes no local l Alex Arreguy / Divulgação

 

O que diz a mineradora?

Veja a nota da Sandra Mineração na íntegra:

"Durante uma vistoria no Maciço de Escrivânia, área protegida que fica fora da Área Diretamente Afetada (ADA) do empreendimento, fiscais da FEAM identificaram quatro cavidades que não eram conhecidas à época do licenciamento. Isso não significa que elas tenham sido omitidas dos estudos realizados, pois não tinham sido identificadas à época. Ressaltamos que os estudos apresentados pela empresa observaram as diretrizes estabelecidas pelo órgão ambiental, que avaliou o material e o chancelou.

Considerando que, nos termos da metodologia aplicável, os estudos de espeleologia são feitos com base amostral, é normal a descoberta de cavidades nas fases de instalação e operação. Nestes casos, como previsto em norma, o órgão ambiental impõe embargo sobre a área situada no raio de 250 metros ao redor das cavidades encontradas e estabelece as medidas a serem tomadas pelo empreendedor.

A questão está sendo discutida com a FEAM no plano istrativo. De todo modo, a Sandra Mineração está obedecendo às determinações do órgão e está providenciando novos estudos espeleológicos sobre a área onde as cavidades foram encontradas.   

Em qualquer hipótese, a título de esclarecimento, o Maciço de Escrivânia fica distante da área de lavra e não é, e nem será, objeto de intervenção pela empresa, estando devidamente protegido, como constatado na vistoria."