Ele era considerado um bom amigo, até que envelheceu e não tinha mais forças para andar ou para preencher os dias com a energia travessa da juventude. Ela era vista como uma ótima companheira, até que adoeceu, e os olhos tristes de quem luta pela vida, em vez de provocarem misericórdia, foram vistos como incômodos. Essas são histórias comuns de bichos que foram ‘descartados’ nas ruas, em uma cena que se repete há décadas, mas que há cem anos começou a ser transformada com a criação da Sociedade Mineira Protetora dos Animais (SMPA). Neste sábado (14 de junho), a entidade dá mais um exemplo de transformação ao oferecer aos pequenos guerreiros peludos a chance de encontrar famílias dispostas a dar amor e um lar cheio de cuidado e acolhimento, por meio de uma feira de adoção.

Fundada em 14 de junho de 1925, a SMPA é a entidade de proteção animal mais antiga de Minas Gerais e a segunda mais antiga de todo o país. Criada por 17 pessoas preocupadas com a quantidade de bichos soltos na rua, a organização tem uma história de luta contínua pela defesa dos animais e de diversas conquistas, mas também de desafios que jamais deixaram de existir. Apesar dos milhares de resgates realizados pela entidade, abrigamentos de animais e promoção de muitas feiras de adoção,  a soltura nas ruas ainda é amplamente praticada pela população.

“O abandono é ativo. Você tira dez animais da rua e, enquanto isso, outros cem estão sendo abandonados”, destaca a presidente da SMPA, Flávia Quadros. “O discurso que era usado há cem anos, ainda faz sentido atualmente. Mas é importante destacar que a consciência sobre a questão animal já existia naquela época e tem crescido”, diz ela.

O aumento dessa consciência a justamente pela atuação da entidade, que teve a sua importância reconhecida pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) ainda em 1926. O decreto que regulamentou a proteção aos animais no município, de 10 de julho daquele ano, reconheceu a utilidade pública da organização e a colocou como órgão auxiliar na proteção aos bichos. 

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Tudo começou com a primeira sede da SMPA na rua Fernandes Tourinho. Depois, ou para a avenida Getúlio Vargas. Os dois endereços ficam na Savassi, na região Centro-Sul de Belo Horizonte. Já em 1968, os animais foram levados para um abrigo provisório em um terreno emprestado na rua Torino, na região da Pampulha. Em 1971, um lote foi comprado pela organização no bairro Guarani, na região Norte da capital mineira. No entanto, a facilidade de o ao local acabou tornando-o um ponto de abandono na cidade. Dezenas de bichos eram deixados no portão diariamente, o que causou superlotação e comprometeu a qualidade do trabalho. Foi assim que, em 2014, houve intervenção do Ministério Público, que destituiu a então diretoria e nomeou interventores. Os mais de 250 animais foram vacinados, castrados e transferidos para o atual abrigo. Muitos foram adotados, mas ainda há diversos idosos. O endereço do local, porém, não é divulgado para que não se transforme em um novo ponto de abandono. 

“Não existe entidade que vai conseguir resolver o problema de uma cidade ou de um país inteiro. É preciso que as pessoas façam algo além de ter pena, pois a pena não muda a situação do animal. Atualmente, além de realizarmos resgates e cuidarmos dos bichos, nós também oferecemos consultoria a quem resgata animais para que as despesas sejam minimizadas, oferecemos ajuda para divulgar a adoção. Fazemos, ainda, um trabalho de educação para guarda responsável em escolas. O abandono não vai diminuir aumentando vagas em abrigo”, diz Flávia Quadros.

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Ao longo dessa história, diversas foram as pessoas que contribuíram para que ela fosse escrita e lutaram firmemente pela causa animal. Uma delas é a primeira professora a ministrar a disciplina de Direito Animal, Edna Cardozo, que foi vice-presidente da SMPA. Ela começou o seu trabalho ainda na década de 1970, como voluntária. 

“As pessoas entendiam, naquela época, que ao deixar o animal na porta do abrigo, elas já tinham feito a parte delas. Eu ia até lá duas vezes por semana, de ônibus, pois tinha moto e era difícil carregar peso. Levava alimentos para os animais, além de realizar outros trabalhos, como faxina”, conta ela.

Além disso, Edna conta que se correspondia com entidades estrangeiras, de países como Estados Unidos, França, Suíça e Espanha, para saber o que era feito no exterior e aplicar as ações também por aqui. “A entidade é muito importante, histórica e uma das primeiras dedicadas à proteção animal em uma época em que quase ninguém se preocupava com isso. Havia o terror causado pela chamada ‘carrocinha’, que pegava os animais na rua e os executava com requintes de crueldade. Foi muita negociação até que isso acabasse”, diz ela.

Edna ressalta que, mesmo com tantas dificuldades, a entidade sobreviveu por todos esses anos. “Foi um trabalho de pessoas muito guerreiras. Tenho certeza de que a SMPA vai sobreviver por mais outros séculos, agora com conhecimento mais técnico”, diz ela.

Para Edna, a SMPA lançou várias sementes que se transformaram em uma realidade melhor para os animais atualmente. “Hoje os animais errantes já podem ser considerados comunitários. Além disso, em vez de muitos bichos serem deixados em abrigos, já existem lares temporários. A zoonose está muito mais preocupada com a castração e tratamento”, afirma ela. 

Outra importante contribuição para a entidade foi a do protetor Franklin Oliveira, que foi  fiscal de maus-tratos, conselheiro fiscal, vice-presidente e presidente da SMPA. A atuação dele iniciou na década de 1980 e, ao todo, ele dedicou 22 anos à entidade, movido pelo amor aos animais. Hoje, Oliveira mantém uma casa de agem com mais de 60 animais resgatados em situação de risco.

“Ajudei a lavar canil, enfermaria, auxiliei veterinários. De lá para cá, houve mudanças em relação à causa animal, mas também há vários desafios. Ainda é necessária a  mudança de comportamento da sociedade, da cultura, é preciso haver educação para a guarda responsável”, afirma ele.

Proprietário da clínica veterinária Santo Agostinho, na região Centro-Sul de Belo Horizonte, Vitor Ribeiro também atuou na entidade voluntariamente quando era estudante, entre as décadas de 1970 e 1980. 

“Havia uma fila grande de animais para serem atendidos. Éramos estudantes, íamos com livros, fazíamos o que podíamos. Além disso, ligávamos para professores para discutirmos casos. No fim de semana, atuávamos de 6h às 19h, nosso almoço era um sanduíche de pão, presunto e queijo”, lembra ele.

Ribeiro afirma que viu muitas pessoas se dedicando fortemente à entidade. “A Sociedade Mineira Protetora dos Animais sempre foi uma lembrança ao ser humano de que ele não é o dono do planeta. Acredito que a organização contribuiu muito para que o pensamento das pessoas evoluísse em relação à causa animal”, afirma.

Para o veterinário, uma das lições deixadas pela entidade é a de que vale a pena cuidar dos animais. “Ao longo da história, muitos eram capturados e mortos. Acreditava-se que isso conseguiria resolver os problemas. A sociedade, junto a outras forças da população, mostraram que não é assim, que é possível oferecer um tratamento digno aos animais. Devemos à entidade muito do que somos e do que pensamos”, conclui.

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  • Evento de adoção de animais da Sociedade Mineira Protetora dos Animais (SMPA)
  • Sábado – 14 de junho
  • De 10h30 às 17h
  • Local: Cobasi – Av. Nossa Senhora do Carmo, 1700 – loja B, Savassi
  • Levar carteira de identidade, comprovante de residência e caixa de transporte.
  • Para adotar ou colaborar, entre em contato: smpa@gmail.com