Ricardo Darín está para a TV e o cinema argentino como Antônio Fagundes está para o Brasil. É astro de primeira grandeza. E é a estrela de "O Eternauta", série que estreia na Netflix nesta quarta-feira (30). O ator, que quase perdeu o papel por causa de sua idade, acabou não só atuando, mas contribuindo com ideias para a produção. "Foi incrivelmente enriquecedor, e ele contribuiu não apenas como ator, mas quase como um autor adicional”, revela o diretor Bruno Stagnaro.

"Desde o início, Bruno (Stagnaro) me encorajou a filtrar o personagem através da minha própria personalidade", revela Ricardo Darín. "Achei isso extremamente notável: me deixar participar do processo criativo, me convidar a contribuir com ideias e até mesmo a moldar certas cenas. Atores raramente têm esse tipo de liberdade criativa", observa.

Mas essa história não começou assim. Quando o produtor Matías Mosteirín sugeriu Ricardo Darín para o papel pela primeira vez, o diretor achou absurdo.  "Principalmente porque a história é extremamente física — o protagonista da história em quadrinhos tem cerca de 40 anos, enquanto Ricardo tem mais de 60. Então, descartei a ideia de cara", conta.

Darín tirou de letra o desafio físico para interpretar o personagem principal, Juan Salvo, figura icônica da cultura argentina em torno de quem gira "O Eternauta", história em quadrinhos de ficção científica criada por Héctor Germán Oesterheld (1919-1977) e ilustrada por Francisco Solano López (1928-2011) lançada em 1957. 

Em uma noite de verão em Buenos Aires, uma misteriosa nevasca arrasa a maior parte da população. Juan Salvo e seus amigos sobrevivem porque estavam jogando truco em um porão, protegidos da neve mortal, e iniciam uma luta desesperada pela sobrevivência ao mesmo tempo em que tentam descobrir o que está acontecendo.

Ao contrário de todas as séries de apocalipse em cartaz, não há zumbis ou vírus letais. Quando compreendem que basta não ser tocado pela neve para sobreviver, o grupo de Juan Salvo percebe que o egoísmo é o grande inimigo. Nessa investigação sobre o comportamento humano que é "O Eternauta", ganância e instinto de sobrevivência transformam em malfeitores até seus vizinhos mais cordiais. A tragédia, porém, também revela coragem, determinação, capacidade de liderança, união por um objetivo comum e a habilidade de Juan Salvo com armas.

Nos quadrinhos, Salvo era reservista das forças armadas, o que nos anos 1950, pós-Segunda Guerra Mundial, era perfeitamente normal. Como o fim do mundo na série foi transposto para a era dos smartphones, os criadores de "O Eternauta" precisaram buscar uma maneira de preservar o espírito de uma história extraordinária vivida por pessoas comuns, ao mesmo tempo em que tinham que dar ao seu protagonista as habilidades para se tornar o líder de uma força de resistência.

Stagnaro encontrou uma solução justamente na diferença de idade entre o personagem dos quadrinhos e o ator Ricardo Darín. Para ele, havia uma história geracional, uma experiência compartilhada do ado coletivo da Argentina, que valia a pena resgatar. "Isso abriu a possibilidade para Salvo ter uma conexão com o mundo das armas em uma vida que ele havia pensado ter esquecido há muito tempo, mas que ressurge assim que a nevasca mortal começa, como um músculo há muito adormecido", acrescenta Stagnaro.


Robinson Crusoé foi inspiração inicial

"O Eternauta" é uma história de sobrevivência. Seu criador, Héctor G. Oesterheld, perseguido pela ditadura  argentina e desaparecido em 1977, era fascinado pela aventura de Robinson Crusoé, que leu mais de 20 vezes. "De início, 'O Eternauta' foi minha versão do Robinson. A solidão do homem, cercado, preso, não mais pelo mar, mas pela morte", escreveu o autor. "O resto cresceu por conta própria, como pensamos que acontece com a vida de todos os dias".

A história em quadrinhos foi publicada numa revista semanal, e constantemente alterada pela realidade, de forma que chegou ao fim sem um herói central. "O verdadeiro herói de 'O Eternauta' é um herói coletivo, um grupo humano", explicou o escritor. Ainda assim, o Juan Salvo de Ricardo Darín tem uma aura particular. “Um idealista. Um homem corajoso. Um modelo a seguir”, descreve Darín. “Eu adoraria pensar que há uma parte de mim que ressoa com o personagem, mas, honestamente, sinto inveja dele — ele tem uma coragem e uma ousadia que eu não tenho”, ite o ator.

Interpretar o protagonista de uma história emblemática de ficção científica teve seus desafios, diz Darín, incluindo “estar à altura das exigências desta nova versão e do nosso diretor”. Ele enfatiza que "O Eternauta", da Netflix, é uma adaptação livre e original da obra de Oesterheld e Solano López, o que lhe permitiu construir o personagem sem se sentir limitado pela lenda. “Acho que conseguimos”, diz ele. "No final, foi uma experiência colossal". 


Números

Com uma produção inédita na Argentina, a criação da série 'O Eternauta' contou com:

  • 2 anos de desenvolvimento e redação de roteiros
  • 4 meses e meio de pré-produção
  • 148 dias de filmagem em Buenos Aires
  • 1,5 ano de pós-produção
  • 2.900 atores, entre elenco e figurantes
  • Mais de 50 locações, 30 cenários virtuais e 500 máscaras para os personagens da série


    Serviço

    Série: "O Eternauta"
    Onde assistir: Netflix
    Quando: estreia na quarta-feira, dia 30 de abril
    Quantos episódios: seis