Os números que cercam a vida e a obra de Heitor Villa-Lobos são impressionantes. Com mais de 2.000 composições, as regravações são inesgotáveis, contemplando intérpretes como Ney Matogrosso, Milton Nascimento, João Bosco, Teca Calazans, Tom Jobim e Egberto Gismonti, entre outros. Nesse caso, a variedade de versões talvez seja mais reveladora sobre o gênio do homem que participou da Semana de Arte Moderna em 1922 e, em 1940, contracenou com Walt Disney na famosa animação “Alô Amigos”. 

Para falar sobre a força e a influência de Villa-Lobos em seus trabalhos, o Magazine convidou os maestros Fabio Mechetti, da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais; Rodrigo Toffolo, da Orquestra Ouro Preto; e Silvio Viegas, da Orquestra Sinfônica de Minas Gerais, para escreverem textos exclusivos. 

Fabio Mechetti
Maestro da Orquestra Filarmônica de MG

Um clássico é um clássico porque sua relevância transcende o tempo em que foram escritos, e seus modelos, mensagens e exemplos estão sempre vivos nas gerações subsequentes. Isso é verdade tanto na filosofia grega quanto nas contribuições mais recentes nas áreas do conhecimento.

Ao celebrarmos os 60 anos da morte de Heitor Villa-Lobos, nos deparamos exatamente com esse fenômeno. Ele é o compositor maior da música brasileira, tendo deixado um legado rico e extenso de obras que transitam desde peças solo para piano ou violão até sinfonias e choros sinfônicos de dimensões monumentais.

Villa-Lobos conta não somente a história de sua época, mas permanece como exemplo sempre presente da cultura essencialmente brasileira, cujos valores são, ou deveriam ainda ser, definidores de nossas raízes como povo, e de nossas aspirações enquanto sociedade.

Ao escutarmos suas obras, mesmo aquelas escritas há mais de um século, entendemos melhor quem somos nós: nossa brasilidade, nossa herança, nossas ambições, nossas deficiências e nossa eterna esperança.

Mas acima de tudo, sentimos o enorme orgulho em evidenciarmos que é absolutamente possível, embora com os desafios costumeiros, se produzir algo que represente globalmente o melhor de uma nação. 

E é nessa qualidade que a arte de alguém como Heitor Villa-Lobos jamais morre: ela mantém a sua força transformadora, clamando para que as novas gerações continuem a prestar a devida atenção a essa obra. 

Silvio Viegas
Maestro da Orquestra Sinfônica de MG

Villa-Lobos é um compositor conhecido e reconhecido mundialmente. Suas obras fazem parte do repertório de todas as grandes orquestras do mundo. Já foi gravada por nomes internacionalmente respeitados, sejam maestros, solistas ou orquestras.

Obviamente, não tem a projeção e constância nas temporadas regulares de concerto se compararmos com nomes como Beethoven, Brahms, Tchaikovsky, Ravel ou Mozart por exemplo. Mas é mais tocado que compositores importantes como Dukas, Ginastera, Ligeti e, até mesmo, Paganini.

Com o advento da maravilha da internet, hoje qualquer um que possua um celular e wi-fi tem o gratuito a quase toda obra desse genial compositor, com inúmeras opções de intérpretes, por meio de aplicativos de música e vídeo.

Em 2020, temos obras de Villa-Lobos programadas na temporada de concertos de várias orquestras norte-americanas, na Filarmônica de Berlim (com ingressos já esgotados para o dia 15 de março), na Sinfônica de Londres (no dia 04 de maio com regência de Sir Simon Rattle e a participação da soprano brasileira Camila Tittinger como solista), em países distantes como Tailândia e Japão, além, obviamente, da temporada das orquestras sul-americanas, principalmente Brasil e Argentina.

No entanto, ainda há muito o que ser feito! É fundamental que nós, artistas em atuação no meio musical, possamos a cada dia mais difundir a obra desse genial compositor, levando-a a todos os cantos do mundo, agindo como embaixadores da música brasileira. Foi isso que Leonard Bernstein fez com a música de Copland ou Segovia por seu instrumento – o violão.

Mas devemos fazer isso não somente com Villa-Lobos, e sim com a obra de tantos outros geniais compositores brasileiros, e que não são sequer conhecidos dentro de nosso próprio país.

Rodrigo Toffolo
Maestro da Orquestra Ouro Preto 

Ouro Preto, 10 de novembro de 2019.

Aos leitores do Jornal O Tempo,

Falar sobre música clássica pode parecer algo antigo ou fora de moda. Resolvi, então, enviar uma carta a vocês. O ano era 1997 e estava na cidade de Curitiba, como aluno do festival de música. Durante a viagem, paramos em Sorocaba, na casa de um primo, e, de lá, seguimos para a capital paranaense, onde eu, Rodolfo e Dhyan, ficamos em um alojamento. Em uma tarde, ouvi um aluno estudando uma peça linda, lindíssima, e fui andando pelos corredores, seguindo aquele som. Lá chegando, esperei terminar  infelizmente não me lembro quem era  e perguntei: que música é essa? Veio a resposta: “Impressões Seresteiras”, de Villa-Lobos. Fiquei impactado e, com vinte e poucos anos, me vi diante de uma descoberta que mudaria minha percepção e gosto musical.

Imergi na obra de Villa pela música para piano e por lá permaneci por algum tempo. Conheci a “Valsa da Dor”, as “Três Marias” e seu “Choros No. 5: Alma Brasileira”. O piano me levou para as “Bachianas Brasileiras”, e comecei a série pela No. 3, a minha predileta, que me levaria, anos depois, a realizar um trabalho de edição e revisão da partitura ao lado de Isaac Karabtchevsky e do pianista José Feghali, trabalho este que se estendeu para as “Bachianas Brasileiras No. 4 e No. 9”. Também me lembro de ficar muito impressionado com o “Choros No. 6”  quando o ouvi pela primeira vez no Theatro Municipal do Rio, após sair de minhas aulas na escola de música da UFRJ. E ainda guardo, com muito carinho, os concertos da Orquestra Ouro Preto, onde executamos, dentre outras, a “Ciranda das Sete Notas”, o “Concerto para Saxofone e Orquestra” e o “Choros No. 3: Pica-Pau”, com o Coro Madrigale.

Villa-Lobos transporta para a música de concerto os ritmos e melodias do Brasil. Sua obra colocou nossa musicalidade no último local que faltava alcançar: as salas de concerto pois, no mundo, ela já iniciava sua caminhada sem volta para se fazer respeitada.

As obras acima, estão em negrito  fiz por querer. Peço que as coloque no YouTube ou no Spotify e ouça Villa-Lobos. Será o melhor presente que vocês poderão dar a ele em seus 60 anos de morte e, a partir destas, vão entrar em um universo repleto de brasilidade e beleza, ou seja, repleto de “nós mesmos”. Ah! E em um mundo dominado por termos como allegro, adágio e ária, é pura poesia ler os nomes dados para suas peças: “Alma Brasileira”, “Pica-Pau”, “Valsa da Dor”, “Impressões Seresteiras”, o “Trenzinho do Caipira”...

Villa-Lobos nunca sai de moda, assim como uma carta.

Sinceramente,

Maestro Rodrigo Toffolo