“Espelho, espelho meu, existe alguém mais bela do que eu?”. A frase atribuída à rainha má da fábula Branca de Neve, que se tornou a mais célebre do conto infantil, expressa com exatidão um sentimento humano que pode, sim, ser virtuoso, mas que pode também revelar uma perigosa armadilha: a vaidade. 

“Do ponto de vista da psicanálise, estamos falando de algo que tem relação com o narcisismo, que é, em linhas gerais, o movimento do eu em direção a si mesmo”, explica a psicanalista e mestre em psicologia Renata Gatto, que prossegue explicando que, em certa medida, o narcisismo é um importante fator de proteção do eu. “No caso da vaidade, uma das suas principais características é a necessidade de reconhecimento por parte do outro”, examina, detalhando que o sentimento é carregado de um espírito de competitividade, de forma que o vaidoso busca se destacar e espera ser irado por seus atributos, que podem ser físicos ou intelectuais.  

Vale lembrar que o termo “narcisismo” tem origem no mito de Narciso, da “mitologia grega”, que narra a história de um jovem que foi condenado a se apaixonar por sua própria imagem espelhada na água. Esse amor impossível leva o personagem à morte, afogado nas águas que refletiam a si mesmo. Recorrendo à história, Renata lembra que o vaidoso, assim como o Narciso, está encantado pela própria imagem. “Todavia, o que ele vê não é a si, mas um reflexo inalcançável”, sentencia. 

A psicóloga Marina França de Souza, especializada em saúde pública, pontua que, diferentemente da autoestima, que diz respeito a um juízo que o sujeito faz de si mesmo, a vaidade depende necessariamente de um reconhecimento externo para ser estimulada. O que não significa, necessariamente, que esse ímpeto narcísico seja algo ruim. “Todos nós vamos nos sentir recompensados quando temos a aprovação do outro e, por isso, teremos sensação de bem-estar. Podemos, inclusive, fazer dessa emoção um trampolim, buscando nos aprimorar e nos movimentar”, argumenta.  

Mas, evidentemente, a mesma vaidade que traz pode, quando excessiva, ser uma fonte de problemas. “Se superdimensionarmos o valor que atribuímos à opinião dos outros sobre nós mesmos, vamos acabar perdendo uma cota da nossa autonomia e nos tornar reféns do juízo alheio. E esse tipo de comportamento pode ser angustiante”, pondera Marina. Recorrendo à máxima de que o excesso sempre aponta para uma falta, ela adverte que essa demasiada preocupação com a aprovação alheia pode indicar, inclusive, problemas com a autoestima. 

No mesmo sentido, Renata destaca que o sentimento pode, sim, estimular o sujeito a se cuidar mais, seja no âmbito da imagem, do trabalho ou dos estudos. “Contudo, esse reconhecimento, que, para alguns, serve como estímulo para o crescimento, pode fazer que muitos outros se tornem dependentes do olhar e da aprovação do outro”, avalia. Portanto, continua a psicanalista, a vaidade se torna um problema quando exacerbada. “Sobretudo quando o sujeito a a ter uma imagem distorcida de si, colocando-se como superior e até diminuindo as outras pessoas para se destacar”, assegura. 

Contexto social 

Renata Gatto contextualiza que cada época vai propiciar formas de manifestação da vaidade. “Atualmente, com as redes sociais, há uma superexposição da imagem. Nesse cenário, as pessoas mostram somente o que querem, mascarando suas faltas e criando um mundo aparentemente perfeito. Muitos se sentem orgulhosos da imagem que construíram, orgulhosos e dependentes da aprovação, das curtidas e dos comentários dos seguidores. O próprio termo ‘seguidor’ já coloca o sujeito na ilusão de que ele é importante”, analisa, sinalizando a necessidade de especial cuidado em relação a atitudes narcísicas nas mídias sociais. 

O alerta faz sentido quando nos atentamos a estudos como o da psicóloga norte-americana Jean Twenge. De acordo com a pesquisadora, que vem investigando o fenômeno do narcisismo entre jovens nos Estados Unidos, a incidência de comportamentos dessa natureza vem crescendo desde os anos 80 na mesma proporção que a obesidade, alcançando, portanto, níveis epidemiológicos. 

Entretanto, as conclusões da estudiosa estão longe de ser um consenso na comunidade científica. O psicólogo clínico Craig Malkin, autor da publicação “Repensando o Narcisismo”, por exemplo, acredita que seria um exagero falar em epidemia. De acordo com ele, as pesquisas realizadas até então estariam confundindo características mais relacionadas à autoestima e à autoconfiança com aspectos propriamente narcisistas. 

Brasil é campeão em estética 

Quando se fala sobre a vaidade, a beleza e a estética surgem como as expressões mais imediatas desse sentimento. E, nesse quesito, o Brasil costuma aparecer no pódio nos mais diversos levantamentos.  

Em um estudo germânico, conduzido pelo instituto de pesquisas GfK, da Alemanha, o país ficou na segunda posição em termos de tempo gasto com cuidados com a aparência. Semanalmente, os brasileiros dedicam 4,4 horas a atividades como a escolha da roupa, o banho, a depilação, o barbeamento e o preparo do cabelo e da maquiagem. Entre as 22 nações consultadas, só na Itália gasta-se mais tempo com essas tarefas. Na outra ponta, os chineses são os que menos se empenham ante o espelho. 

O estudo também indicou que as brasileiras costumam investir mais tempo na vaidade, gastando até 5,3 horas por semana com tais afazeres, enquanto os brasileiros gastariam 3,5 horas, em média. Não por acaso, o país é um dos grandes mercados mundiais de produtos relacionados à beleza e de procedimentos estéticos.