No balanço financeiro publicado pelo Atlético em abril deste ano, o clube detalhou, no trecho dedicado ao futebol feminino, que para 2024 a prioridade era continuar o trabalho das condições de treinamento, logística de jogos e fornecimento de materiais esportivos, mas sem foco no desempenho esportivo. O rebaixamento das Vingadoras no Campeonato Brasileiro A1 – equivalente à Série A masculina – com três rodadas de antecipação confirma o pouco investimento no projeto alvinegro para esta temporada. Em 12 partidas, o time perdeu 11 e empatou uma. 

Rubens Menin, um dos sócios da SAF do Galo, itiu recentemente o “desleixo” com a categoria e prometeu melhorias. Se as meninas atleticanas não tiveram o devido apoio nesta temporada, houve um tempo em que a alta cúpula do Atlético percebeu em outras mulheres talento e resolveu investir. 

A equipe foi formada em 1976, período em que o grupo se conheceu, por acaso, jogando bola nos campos da Vila Olímpica, no bairro Planalto, na região da Pampulha. O entrosamento das amigas e os lances cheios de personalidade chamaram a atenção da diretoria alvinegra, que realizou alguns ajustes na equipe e formou, a partir daí, um time completo. 

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Com o ar dos anos, as atletas amadoras deixaram de jogar somente por amor ao manto preto e branco e aram a ser jogadoras semiprofissionais bem-remuneradas à época, recebendo cerca de dois salários mínimos.

O time alcançou a façanha de ser bicampeão mineiro em 1983 e 1984. Em 1986, a equipe foi extinta por falta de adversários. ados quase 40 anos, três dessas atletas se encontraram, por acaso, num ponto de ônibus em Belo Horizonte e resolveram clamar por valorização histórica do Alvinegro.

E é em um cômodo apertado de uma ocupação, no hipercentro da capital mineira, que a ex-atacante Jaqueline Margarete Silva, de 62 anos, reúne as amigas: a ex-goleira Vera Lúcia de Carvalho, de 63 anos, conhecida como “Beka”, e a ex-ponta-direita Maria Helena Antunes, de 66 anos. 

“Nunca tivemos o reconhecimento que deveríamos. Na época da ditadura, jogávamos escondido e por amor à camisa. Tenho honra de ter jogado no clube, que é minha paixão. Não queremos que nossa história se perca, afinal fomos pioneiras do Galo no futebol feminino”, queixa-se Jaqueline.

O Galo, por sua vez, pretende resgatar a história do primeiro time feminino por meio do Centro Atleticano de Memória. Trata-se de uma associação sem fins lucrativos, criada em 1997, que trabalha para divulgar e manter preservada a memória alvinegra. 

“Falando em contexto histórico, estamos trabalhando em busca de informações e também para reestruturar um espaço no qual o torcedor possa conhecer essas e outras histórias, dessa e de outras categorias que, infelizmente, recebem tão pouca visibilidade nos veículos de comunicação”, promete o clube.

A profissionalização do grupo, no início dos anos 1980, assustou muitos pais, que consideravam as viagens para jogar em diversos cantos do Estado um abuso da liberdade dada para as mulheres à época. Por isso, diversas jogadoras de futebol largaram o time para constituir família. Esse foi o caso da ex-ponta-direita Maria Helena, que integrou o time desde a sua formação até 1982. 

“Infelizmente, quando minha mãe percebeu que os jogos estavam ficando cada vez mais sérios, ela resolveu me afastar desse sonho. Não tive como lutar contra, o jeito era obedecer. A criação da época era outra. Então, transformei-me numa torcedora”, relembra Maria Helena.

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Com o término da equipe e com o ar dos anos, o grupo perdeu contato e cada uma seguiu uma trajetória. Beka se empenhou em cuidar da casa e do marido. Maria Helena é modelista e trabalha com costura. E Jaqueline se tornou técnica em uma escolinha que ensina a arte do futebol para crianças carentes de BH.

Enquanto o espaço para resgatar a história da equipe feminina do Galo não se transforma em realidade, as ex-jogadoras exercitam a mente com a ajuda de fotografias e recortes de jornais, que destacavam a determinação das jogadoras. Beka, por exemplo, que perdeu um dos olhos após receber uma bolada durante um jogo, era uma das que mais aparecia na mídia.

“Naquela época, eu sempre dava entrevista. Minhas defesas eram boas. Quando pego os meus recortes, me lembro das dificuldades e das vitórias. Mesmo com todos os problemas, não me arrependo de nada, faria tudo de novo se tivesse chance”, orgulha-se Beka.

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As primeiras jogadoras do Atlético faziam questão de jogar sempre bem alinhadas e maquiadas, e o batom tinha um simbolismo para além da estética. À época, o público comparava as atletas a homens por causa da força e do vigor físico em campo. Por isso, o produto de beleza usado nas partidas era o modo de mostrar à sociedade que a força que estava em campo era a feminina. 

“O batom era, sim, o nosso símbolo. Queríamos mostrar que a feminilidade poderia estar em qualquer lugar. E, graças a Deus, com o ar do tempo, essa mentalidade ou a ser defendida pela sociedade”, avalia a ex-goleira Beka.