Em um ano, o Tribunal de Contas do Estado (TCE-MG) emitiu 182 alertas a municípios de Minas por se aproximarem perigosamente do limite de gastos com pessoal, estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Ao todo, 140 prefeituras foram advertidas, sendo que 43 delas receberam mais de um aviso, segundo levantamento do tribunal feito a pedido de O TEMPO. Os dados são de 2022 – o balanço de 2023 só deve ser divulgado daqui a três meses.
Em um terço dos casos, prefeituras foram obrigadas a adotar medidas preventivas para contenção de despesas, como a proibição de criar novos cargos, contratar servidores ou conceder reajustes ao funcionalismo até que a situação fosse normalizada. O resultado, segundo especialistas, tem sido o comprometimento de investimentos em infraestrutura e da prestação de serviços essenciais à população, como saúde e educação.
Apesar da queda de 16% no número de alertas na comparação de 2022 com 2021 – quando 218 comunicados foram emitidos –, o superintendente de Controle Externo do TCE-MG, Pedro Henrique de Azevedo, avalia que o cenário fiscal das prefeituras de Minas é preocupante, uma vez que revela a dificuldade dos gestores em equilibrar as contas públicas e controlar o crescimento da despesa que mais consome recursos do Executivo. Isso fica claro ao observar a notificação do mesmo município mais de uma vez no intervalo de 12 meses, por exemplo.
“É natural que, após o momento de alta, a gente tenha redução do número de alertas no momento posterior, já que os municípios am a adequar medidas de contenção de despesas. Mas mesmo assim é uma preocupação para o TCE, porque muitas cidades têm o desafio de se adequar às regras da Lei de Responsabilidade Fiscal, mas enfrentam dificuldade de aumentar suas receitas”, observa o superintendente.
A LRF – que completa 24 anos em maio – estabelece que o Executivo municipal pode gastar, no máximo, 54% de sua receita corrente líquida com despesas com pessoal. Quando uma prefeitura gasta entre 90,01% e 95% desse limite, o TCE emite um alerta para exortar o gestor sobre o risco de estourar o teto imposto pela legislação.
Se a prefeitura atingir o limite prudencial, acima de 95% do previsto para custear gastos com servidores, um novo aviso é enviado, desta vez já com implicações, como a proibição de conceder reajustes e abrir vagas para contratação em qualquer setor. Porém, se ainda assim, o município estourar o limite previsto em lei, a Constituição prevê redução de 20% dos gastos com comissionados e cargos de confiança, além da possibilidade de exonerações de servidores.
Com quase 9.000 habitantes, Matias Cardoso, no Norte de Minas, está entre as 43 prefeituras que receberam mais de um alerta por gastos com pessoal em 2022, tendo encerrado aquele ano com o uso de 53,99% da receita corrente líquida para pagamento de pessoal – apenas 0,01% abaixo do limite de 54%.
O prefeito da cidade, Maurélio Santos (Avante), argumenta que o principal desafio para equilibrar as contas é a escassez de receitas.
“Nós vivemos praticamente com recursos do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Mas temos um território extenso e que necessita de pessoal para atender nos postos de saúde, escolas e outros serviços. As receitas não acompanham o crescimento dessas despesas”, reclama o gestor.
Risco à integridade da prestação de serviços públicos
Ao se aproximarem do limite de gastos com pessoal ou descumprirem outras normas da LRF – como a proibição de contrair despesas nos meses finais de mandato sem dinheiro garantido em caixa para o pagamento na próxima gestão –, prefeitos colocam em risco a integridade da prestação de serviços públicos essenciais à população, alerta o promotor de Justiça Daniel de Sá Rodrigues, que coordena o Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Público do Ministério Público de Minas.
“Se há um inchaço no quadro de pessoal ou superendividamento do órgão público, algum serviço vai ficar prejudicado. Pode ter alguma demanda de saúde ou de educação que vai ficar sem receita porque o gestor anterior endividou o órgão. O dinheiro é pouco diante da demanda e, se ele não é bem aplicado, vai faltar recurso na ponta para atender a demanda social”, adverte Rodrigues.
Na avaliação do superintendente de Controle Externo do TCE-MG, Pedro Henrique de Azevedo, o caminho mais prudente para municípios retomarem o equilíbrio em consonância com a LRF precisa ar diretamente pelo empenho na captação de novos recursos. “Não há outro caminho: ou reduz despesas ou aumenta as receitas. E uma boa alternativa é desenvolver sua própria prática tributária. Regularizar o recolhimento do ISS, do IPTU e tributar empresas que têm isenção de impostos são alternativas que podem ajudar”, sugere.
O presidente da Associação Mineira de Municípios (AMM), Marcos Vinícius Bizarro (sem partido), discorda. Segundo ele, “80% das cidades de Minas têm menos de 10 mil habitantes”. “Então a arrecadação com ISS, IPTU, ITBI é baixíssima”, afirma. Ele reitera que o grande gargalo para as prefeituras é a alta despesa para pagamento de pisos da educação e da saúde.
Soma de escassez de recurso e queda de rees
A escassez de recursos próprios, somada à redução nos rees e à necessidade de arcar com novos custos, como o piso nacional dos professores da educação básica – reajustado em 33% em 2022 –, contribuíram para o descontrole de gastos com pessoal nas prefeituras mineiras, avalia o presidente da Associação Mineira de Municípios (AMM), Marcos Vinícius Bizarro (sem partido). Segundo ele, a expectativa é que o próximo balanço do TCE-MG, com dados de 2023, revele um cenário ainda mais crítico em relação à norma da LRF.
“O ano ado foi um desastre. Nós tivemos baixa na arrecadação do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), e também de ICMS, o que impactou diretamente o Fundeb. Isso levou a mais alertas do TCE aos municípios, porque eles tiveram que aportar mais recursos próprios, principalmente na educação, o que levou a esse desequilíbrio no gasto com pessoal”, argumentou Bizarro.
O presidente da AMM afirma que os municípios têm buscado diálogo com o Tribunal de Contas do Estado para expor as dificuldades enfrentadas pelos gestores e reclama, por exemplo, do fato de gastos com serviços terceirizados serem computados como despesas com pessoal. “Queremos que esses valores não computem como gasto de folha de pagamento, porque isso prejudica muito mais os municípios”, observa.
Avisos emitidos pela aproximação do limite de gastos com pessoal
Total de alertas
Em 2021, foram 119 para limites entre 90,01% e 95%; 99 para limites entre 95,01% e 100%; e 218 para 100% do limite.
Em 2022, foram 121 para limites entre 90,01% e 95%; 61 para limites entre 95,01% e 100%; e 182 para 100% do limite.