Depois de dois anos sem trabalhar, Marlene da Silva Correa resolveu investir no ramo da gastronomia para ganhar a vida. Começou vendendo tapioca em Lagoa Santa, na região metropolitana de Belo Horizonte. Depois, apostou no pastel paulista. Ela tentava vender nas feiras, mas não tinha saída. Foi quando pensou que os eventos que a prefeitura organizava seriam uma boa alternativa. O que ela não contava era com o tamanho da burocracia, que quase barrou o desenvolvimento do seu negócio. Foi aí que entrou Nay Almeida, 39, que ajudou não só Marlene, mas um grupo de outras microempreendedoras da cidade.
Até o ano ado, tudo ia bem. Só que, em 2025, algumas mudanças deixaram o cadastro mais complicado para que comerciantes de comidas, bebidas e artesanato particiem dos eventos do município. “Deu muita dor de cabeça. Pediram documentos que eu nunca nem tinha visto na vida”, explica Marlene.
Assim como para Marlene, a burocracia também é um entrave para muitas mulheres. Segundo pesquisa divulgada neste ano pelo Sebrae Minas, 19% das entrevistadas apontam esse como um dos principais desafios para começar um empreendimento. Dificuldade esta que também estava refletida no grupo de amigas empreendedoras de Marlene. Das sete mulheres, seis tiveram problemas na hora do cadastro.
A sétima era a Nay, a única que sabia como conseguir tudo o que estava sendo pedido. Vendedora de cachorro-quente desde 2022, ela também enfrentou dificuldades com a burocracia quando iniciou o negócio em um motor-home da família, mas buscou capacitação e consultoria para aprender o que precisava. Conhecimento que, sempre que pode, rea. Foi o que fez com as amigas, que conheceu nas feiras da cidade. “Quando viram as exigências, elas ficaram doidas e falaram: ‘vamos perder o edital’. Então eu fiz uma espécie de guia, salvei em um link e disse: ‘façam tudo e, se tiverem alguma dúvida, me liguem’”, conta.
“Sem essa ajuda, eu não teria conseguido fazer o cadastro para participar das feiras, que é de onde vem a minha renda. A Nay foi fundamental”, destaca Marlene. Para ela, a rede que se formou a partir da troca de conhecimento entre as amigas foi muito além de orientações para vencer a burocracia. “Estamos sempre ali, uma do lado da outra, sem deixar a nossa parceira desanimar. Para ser empreendedora, precisamos dessa comunhão. É uma ajuda sem interesse, de coração”, afirma a pasteleira.
Para Nay, essa rede de apoio e troca que elas criaram é importante para desmistificar a ideia de que mulheres precisam ser rivais. “Nós não somos concorrentes, mesmo que trabalhemos todas na mesma área. Precisamos nos unir mais, porque o empreendedorismo ainda é muito masculinizado. Na alimentação, eles ainda olham para as mulheres apenas como cozinheiras. Dizem que a gente não sabe gerir, não sabe istrar, não sabe fazer nada, só sabe cozinhar. E é mentira! As mulheres fazem tão bem quanto os homens”, ressalta.
A professora de istração da Fundação Dom Cabral (FDC), Elisângela Furtado, destaca que, juntas, as mulheres conseguem fazer algo que é essencial para vencer os desafios impostos ao empreendedorismo feminino. “O contexto machista afeta a autoconfiança das mulheres. Muitas não acreditam que seu trabalho tem valor. Muitas têm dificuldade de precificar e subvalorizam o seu produto, o seu serviço. E, para essa questão, não existe formação que supere, porque isso é justamente um processo que mina a competência e a confiança da mulher, na medida em que é produzido por um contexto extremamente perverso”, ressalta Elisângela, que é especialista em diversidade, inclusão e cultura organizacional.